«Outubro de 2003. Estou em Les Lilas, que fica em Seine Saint-Denis, nos subúrbios de Paris.
Estou cheia de frio, metida nesta toca de quinze metros quadrados. O meu marido foi para África e deixou-me cem euros. Segundo ele, chegam para me aguentar dois meses. Comprei leite e pão, e como sopas de pão no leite várias vezes por dia. Deixei de me lavar. Para quê? Também já não sei se vale a pena vestir-me, de qualquer maneira, além daquilo que trago vestido, pouco mais tenho. Sinto o coração a bater, mas não estou dentro do meu corpo. Já nem sequer as nódoas negras me doem. Já não sinto nada. Passo os dias a olhar para o vazio ou para a televisão. Ninguém. Nada. Só o barulho da televisão, em fundo – De repente, ouço a voz de uma mulher a contar uma história que podia ser a minha…»
Estou cheia de frio, metida nesta toca de quinze metros quadrados. O meu marido foi para África e deixou-me cem euros. Segundo ele, chegam para me aguentar dois meses. Comprei leite e pão, e como sopas de pão no leite várias vezes por dia. Deixei de me lavar. Para quê? Também já não sei se vale a pena vestir-me, de qualquer maneira, além daquilo que trago vestido, pouco mais tenho. Sinto o coração a bater, mas não estou dentro do meu corpo. Já nem sequer as nódoas negras me doem. Já não sinto nada. Passo os dias a olhar para o vazio ou para a televisão. Ninguém. Nada. Só o barulho da televisão, em fundo – De repente, ouço a voz de uma mulher a contar uma história que podia ser a minha…»
Foi a partir deste momento que Diaryatou Bah, jovem guineense (Guiné-Conacry), agarrou a última réstia de forças, e conseguiu dar mais uma oportunidade à sua vida.
A história de Diaryatou, é comum a muitas mulheres africanas. Desde a mutilação genital aos sete ou oito anos, até a um casamento por obrigação aos treze ou catorze anos, tudo de mau pode acontecer a estas jovens. São autênticas escravas entre os seus e obrigadas a obedecer cegamente ao marido.
Diaryatou, como todas as meninas da terra dela, foi submetida ao ritual da mutilação genital aos oito anos e aos catorze casou com um homem trinta anos mais velho, que a levou para a Holanda, prometendo-lhe o paraíso.
Clandestina, sem meios de subsistência, Diaryatou foi brutalizada, humilhada, violentada. Por duas vezes engravida e, sem assistência médica, por duas vezes aborta, aos catorze e aos dezasseis anos.
Consegue fugir aos dezoito. Depois de, pela terceira vez, ter dado à luz um bebé morto.
Depois de se libertar, vive em França (2007), prosseguindo os seus estudos e esperando um dia ser “legalizada”.
A narrativa de “A minha Infância Roubada” foi passada ao papel por Sylvia Tabet, uma das pessoas que ajudou Diaryatou a sair do pesadelo.
É uma Edição da Dom Quixote com 1ª edição em Outubro de 2006.
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